20090805

Oamaru, Nova Zelândia Um homem, aparentando sessenta e muitos, caminhava pela rua há vários anos com um par de sapatos, tipo luva, na mão. O modo seguro e carinhoso com que pendurava os sapatos nos dedos médio e indicador dizia muito sobre o seu carácter determinado. Curiosamente este homem em mangas de camisa e calças de vinco estava calçado e teimava em caminhar sempre pela mesma rua. A rua, não querendo ficar atrás deste homem obstinado, prolongava-se há anos, continuamente, sempre uns metros à sua frente. Ao longo desta curiosa competição calada foram nascendo vivendas geminadas unifamiliares, notários, lojas de conveniência, esplanadas e penhoristas, todos com nomes associados à temática do calçado e da persistência. Chegou mesmo a notar-se algum movimento de apoio a este homem solitário. Uma senhora da classe alta acompanhou-o durante uma tarde segurando uns Louboutin e um grupo de Carmelitas Descalças seguiram-no em vigília, seguras apenas pela sua fé, até perceberem que o homem tinha um passo agnóstico. Indiferente a tudo isto e aproveitando um dia em que a brisa de leste passou a nortada, o homem parou, trocou de sapatos, segurou no par velho com o indicador e o dedo médio, voltou-se no sentido contrário com o vento pela frente para melhor arejar o calçado e encetou o seu novo caminho de volta. Apanhada de surpresa, a rua começou de imediato a recuar, obliterando assim toda a vida recém-construída que a ladeava.

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