20100331

Chichén Itzá, México Em duas penadas: a escrita do caminhar tem sido inexplicavelmente negligenciada. Páginas e páginas de relatos literalmente arrasadas por correntes de ar viciado. Não nos dizem tudo, as pegadas num areal? A linha funda e sinuosa de uma consciência pesada, o pé-ante-pé imponderável dos amantes, não deveria tudo isto ser medido, registado e cartografado? Para quê plagiar tendenciosamente com as mãos tudo o que os pés já deixaram bem claro na genuína espontaneidade de um corpo inconsciente? E não me refiro apenas às zonas densamente povoadas onde todos deixam marcas e acabam por dizer muito pouco; levante-se o olhar do chão e conseguimos ver além, em solo agreste, tímidas linhas de passos arrojados, caminhados por anónimos calcorreadores. Formem-se já batalhões de analistas de trajecto, licenciem-se os cartógrafos de rasto; urge seguir estas peugadas antes que sejam pisadas de novo. No entanto, e para que não se ficcione a veracidade dos caminhos, o estudioso destas matérias deverá possuir uma de duas características que impeça que os seus próprios passos se imiscuam nos trajectos em estudo: ter algo de pássaro ou, em alternativa, de anjo; algo que mantenha o percurso intocado. Poderá o leitor mais cínico dizer que, se pássaro, a atenção logo se virará para a mais gorda minhoca e se anjo, pouco ou nenhum interesse terá pelos assuntos terrenos, uma vez que sabe de antemão o destino de todas as coisas. Poderá.

1 comentário:

João Menéres disse...

Imagem muito interessante, aliás como o é o texto.

Um ab.