20161009

Maiorca, Espanha

É transbordante na forma como se meneia; como um colchão d'água imenso e perverso, como uma operação de barriga aberta. Mas disfarça essa inquietude cobrindo-se de celofane brilhoso. Por indefinição é um pedaço de água receado em terra por todos os lados. Por desconforto é uma quantidade imensa de tudo o que é molhado. Por mimo, um naperão de ilha. Se à superfície apresenta-se como respeitoso metrónomo cardíaco, sob um pasto de carneirinhos esconde leviatãs sem nome. A costa arrepiada aconchega as águas para mais perto de si e fica a espreitar o rodapé do céu, ao fundo; mesmo antes do fim do mundo.
Senhora da Hora, Portugal

Isto sim, é uma revelação. Um escandaloso ultraje! Então não é que a ilustre e veneranda ciência, a distante elite tecnológica, a tenacidade obscura da investigação, enfim, todos os promontórios iluminados que desde sempre ampararam a infantilidade humana seguem afinal e apenas, tacitamente, os vaticínios dos profetas literários? Nunca existiram descobertas promissoras, avanços geniais ou quaisquer resultados surpreendentes; apenas um seguir respeitoso, com o dedo sujo, dos manuais de instruções. As obras escritas deixadas pelos loucos, com os seus delírios impensáveis, têm sido os livros de cânticos entoados pelos pragmáticos do mofo, em secretos altares bibliotecários. Os homens da ciência revelam-se os exímios operadores de pantógrafo destes textos sonhadores.
Temos andado a alimentar pançudos. Doutos imaginários. Esses falsos ídolos devem cair! Voltemo-nos para a verdadeira ficção. Ressuscitemos os fantasistas, os trovadores, as figuras de estilo dos lugares comuns e os visionários. Contemplem-se os tolos da aldeia, os vendedores de banha da cobra e os iludidos. Se colocarmos a dedicação e a argúcia ao serviço de um espírito humilde podemos assim ler o futuro. Está escrito.