20170203


Viana, Portugal

Há muitos, muitos anos avolumados em décadas, ordeiramente arrumados por séculos. Mas são muito poucos os que resistem ao empilhar dos milénios. Cada tempo que chega verga um pouco mais os ombros dos mais antigos até tudo não passar de uma imensa resma de gramagem fina. Depois chegam irritantes bactérias miudinhas que se agarram à pedante nomenclatura em latim para roer tudo numa mastigação persistente, passando eras inteiras a montes de excremento em pó. Montes de tempo perdido. Quase irrecuperável, não fossem os abraços, esses engenhosos enlaces.
Um abraço é uma coisa difícil de executar. Requer conhecimentos de coreografia cultural, para ser dançado na perfeição. Precisa de ser sentido para ser dado (apesar do que dizem certos cartazes gratuitos). Até um abraço de urso é profundamente humano. Abraçar é um momento de intensa vulnerabilidade. Num abraço bem dado dá-se uma larga exposição frontal e dão-se as costas à pancada forte. Oferece-se a jugular e a confiança. Demora tanto a decidir dá-lo como a soltá-lo (muitas vezes só com a infiltração de um pranto). Abraçar é vestir-se do outro, por instantes.
Mas abraçar a frio é como uma repulsa. Algo assim entre a vénia distante e o político em campanha. Não se consegue abraçar com a distância pelo meio. Não se dá um abraço num corpo de texto. Na lisura digital os dedos não sentem os ossos peculiares. O queixo não descansa num ombro amigo. É humanamente impossível 'mandar' um abraço. Não é coisa que se diga.
Dentro de um abraço o tempo pára, ajeita-se e fica ali, seguro.

1 comentário:

Marta Almeida disse...

Meu querido tio,
este abraço é irresistível.
Beijinhos,
Marta.